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Fascinam-me as minhas mutações faiscantes que aqui caleidoscopicamente registro.

A vida de um louco. A mente de um maluco. O que pode surgir desse mar de Apreenção? Descubra aqui .


quarta-feira, 28 de julho de 2010

Meditação 2'

Uma batida na porta me chamou a atenção. Meus pais não recebiam visitas a um bom tempo. Tinham medo que eu desse um ataque na frente delas. Eram muito violentos. Eles mentiam muito quando vinham visitas e quando falavam ao telefone. Quanto mais mentiras contavam mais me enlouqueciam. Não importava que não estivessem mentindo para mim. Só importava quando mentiam. Aprendi a ler seus pensamentos pela convivência. Minha mãe abriu a porta. Ninguém notou minha presença na escada.

- Olá, doutor. - Ela disse para um homem estranho na porta. Vestia um terno bege misturado a cor de burro-que-fugiu e segurando uma maleta musgo misturado a verde-vomito, provavelmente tentando imitar couro de crocodilo pelo padrão empobrecido. Um médico sem duvida.

Será que havia alguém doente e eu não notara? Teria feito um remédio caseiro. Por que não me contaram. Seria a oportunidade perfeita para as sombras me ensinarem mais sobre medicina e química. Teria ficado perfeito como tudo o mais. Pediria um quite de química assim que terminasse de aprender sobre aerodinâmica. Aprenderia também sobre culinária. Assim ninguém desconfiaria de mim. Anotar, assistir muitos programas de culinária na TV, na minha agenda lotada confirmado. Com as aulas tinha que maneirar no tempo de aprendizado para ter tempo de fazer todas as tarefas. Qualquer coisa veria no meu computador videos de culinária no youtube caso fosse preciso.

- Olá, Meredifh. O seu filho...? - O medico parecia um tanto leigo, mas ainda sim tinha certeza de que faria seu trabalho direito. Seria bom ter uma segunda opinião. A unica coisa que ainda me mantinha ali era a curiosidade mórbida de saber se havia alguém doente na casa. Poderia ler os pensamentos de minha mãe depois mas queria saber aquilo eu mesmo.

- Está lá em cima, doutor. Brincando com um novo jogo que lhe demos. Um helicóptero de montar.

- Não é um tanto perigoso?

- É para menores de cinco anos... Ele é inteligente. Vai ficar bem. E de qualquer forma o helicóptero não pode voar. Não há motor. É para pais e filhos montarem juntos admito, mas estava muito estressada e não acho que possa passar por mais um único ataque.

- Vamos ser rápidos. Assim que terminarmos vou querer conhecer seu filho pessoalmente para ver se o diagnóstico está mesmo correto.

- Tenho tanto medo que ele ataque a um dos irmãos doutor. Você tem que ver qual é o problema.

- Seu marido está em casa? Vocês tem outras crianças? - Que interrogatório mais fajuto. De onde ele tirou isso? De um filme porcaria de espião?

- Meu Frank está no trabalho. Tenho mais dois filhos. Uma de cinco e outro de um e meio. - Extremamente fraco e tolo. Não entendo. Eu com um ano e meio já era muito mais esperto do que ele. "Nós dissemos que você é especial." - Minha filha, com cinco, está na escola. Colocamos os dois em horários diferentes para facilitar tudo. O mais novo está dormindo no berço. Que se encontra em meu quarto. A porta está trancada. Não há facas pontudas nem produtos químicos para limpeza ou qualquer coisa letal ao alcance dele. - Que ela saiba. - Quero dizer. O mais velho. O que eu lhe pedi que examinasse.

- Sim eu entendi. Fez muito bem. - Então ele estava aqui por causa de mim? Isso me chocou embora acho que eu no fundo devesse saber.

- E então doutor? O que é? - Claro. Então foi por isso que tiraram sangue e fizeram todos aqueles testes de perfil que eu tive o cuidado de confundir o sistema para que não tivessem chance de descobrir nada.

- Acho que é... Epilepsia. - O choque me tomou. Droga. Acho que eu exagerei um pouco ao confundir os testes de perfil. "É o que parece garoto. Mas vamos corrigir isso da melhor maneira possível."

- Ah! Meu deus... isso... isso... é horrível.

- O pior é que não há cura. Apenas um tratamento para suavizar os efeitos. Eu odeio dar esse tipo de noticia a meus pacientes. Todo o medico odeia das noticias tão ruins a seus pacientes. Mas não havia mais nada a não ser falar. Foi o que deu nos testes. Eu só espero que eles estejam errados.

- Por quê? Por que o senhor acha que é algo tão horrível?

- Os sintomas são bem claros na maioria das vezes... Claros até demais no caso do seu filho. Os sintomas dele pelo que entendi são: "Ausência", - E o feitiço se voltou contra o feiticeiro. Eu fiz isso para não me meter em problemas e em seguida isso me põe num problema ainda maior. - Alucinações visuais, etc. Eu só espero estar errado.

O medico foi falar comigo. Eu subi antes que pudessem me ver, mas sempre tendo certeza de não perder nenhuma parte da conversa. Abri a caixa de meu helicóptero e separei as peças antes deles chegarem.

- Olá. amigão. Eu gostaria de conversar com você.

- Eu não quero conversar! Não quero! - Se achavam que eu era epiléptico era melhor seguir a onda. Isso me daria vantagem sobre eles. Sem falar que... agora que eu cavei o buraco posso muito bem me enterrar nele.

Não ia conseguir mudar a opinião do médico. Ele veio aqui para comprovar para minha mãe que estava certo não para tentar se convencer de que não estava e eu tinha outro problema. Isso daria muito dinheiro a ele, aos hospitais e farmácias. Médicos em geral não são assim. Mas este era especialmente maléfico. Era uma pessoa totalmente 'sã' do mundo a sua volta. A melhor parte de cada pessoa é a parte 'louca'. A parte 'sã' é aquela que faz com que pessoas matem umas as outras e façam coisas terríveis, e então culpam os 'loucos' é sempre assim.

- Como quiser. Posso te ajudar com isso? - Dei de ombros. Não ia falar a não ser em momentos oportunos. Manipulação.

- Se quer. - Ele foi pegar uma peça do monte de finalização.

- Não! Essa não! Não mexe ai!

- Mas não que ajuda? - Ambos ficaram perturbados com minha atitude. Para eles todos os cantos eram iguais. Para mim tinham um padrão bem franco. - O que tem de especial nessas pessoas?

- Você quis ajudar não eu que quis ajuda. - Isso os deixou duplamente abalados. Era um pensamento coerente demais para alguém supostamente epiléptico. Uma criança de dez anos não seria capaz de raciocinar isso com um cérebro normal. - É o monte de finalização. Ai estão as peças que vão ser colocadas bem no finalzinho.

- É mesmo. E essas aqui? - Ficar calado...

- Não quero falar! Não quero falar. Eu já disse que não!


Desse momento em diante meus pais nunca mais me deixaram só. Ao menos um deles sempre estava ao meu lado. Me faziam conversar mais do que eu gostaria com eles e se eu falasse sobre as sombras eles imediatamente achavam que eu estava tendo 'novamente' um ataque epiléptico. Cansativo. Eu precisava de um espaço. Desse jeito não tinha tempo de aprender mais com as sombras e meus protótipos tinham de ficar escondidos todo o tempo. Mas eu gostava de olhar para eles. E eles precisavam de manutenção. Passei a ficar acordado durante a noite e durante o dia ficava completamente exausto, sem conseguir dormir por causa de meus pais, sempre tentando me manter 'ativo'.

Cada vez mais cansativo.

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