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Fascinam-me as minhas mutações faiscantes que aqui caleidoscopicamente registro.

A vida de um louco. A mente de um maluco. O que pode surgir desse mar de Apreenção? Descubra aqui .


quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Sombras do Passado'

Andei... andei tanto que meus pés doeram e criaram bolhas sobre as bolhas.
As babás passaram a me ignorar completamente depois de um tempo e eu logo desisti de tentar ficar calmo. Eu tinha de ver as sombras. Me ligar a tudo o que eu tive com elas no passado. Elas me ensinaram muito. Agora era minha hora de voltar e tentar ajuda-las.

Caminhei mais um pouco e segui por uma porta cinza-azulada, nela havia uma placa escrita:
"Entrada somente pessoal autorizado."
Eu claramente ignorei o aviso e entrei. Nela havia uma escadaria que subia alto e mais alto... subi cada vez mais... certas vezes encontrei pequenos corredores que davam em pequenas salas com um conteúdo que eu não imaginava o que seria.

Subi, subi e subi... Até chegar no ponto mais alto de todos. Que bela vista... eu amava este lugar. Mas não ficaria olhando apenas pelas janelas com barras de ferro... atravessei a porta... E vi... Vi TUDO.

Todos tão pequenos lá em baixo... As sombras ao longe voando no céu como quem me dá um oi... Eu queria tanto falar com elas... eu PRECISAVA tanto falar com elas...

Mas apenas em meus sonhos... SOMENTE nestes sonhos sobre as sombras...

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Vazio'

E passavam-se os dias. O lugar, quieto como sempre,estava começando a me deixar com uma estranha sensação de irrealidade. O tempo ia passando e a cada dia eu me lembrava menos de minha antiga vida.

Tic-Tac. Tic-Tac. O relógio ia passando. E eu ia me perdendo no infinito de minha mente. Nada acontecia aqui. Nada.

Vazio. Sentia falta das cores. Sentia falta do movimento. Sentia falta daquelas que me proporcionavam este prazer. As sombras.

Eu queria tanto poder sair deste lugar. Pensei pela milésima vez.

"Qual é o problema desta vez?", Casper se preocupava comigo, meu irmão nem fazia idéia. Eu o impedia cada vez mais com a meditação de ouvir minhas lamúrias. Isso o deixava nervoso. Não saber qual o problema e como ajudar.

Ah, Casper. Não se preocupe comigo. Estou um pouco rabugento novamente. Apenas isso.

"Eu não sei... Casper, olha a cara dele! Não me parece nada bem... Quem sabe não devêssemos chamar os homens de branco."

"Não acho que seja nada tão sério Lucky. Se acalme. Logo ele melhora."

É. Ouça o que ele diz. Casper sabe o que fala.

"Tem certeza maninho?? Concordo com Lucky. Você não parece nada bem."

Não se intrometa Vince. Não é nada de mais.

"Como quiser então."

Podem me deixar um pouco só? Acho que preciso dormir.

"Claro, maninho."
"Como quiser."
"Vejo você mais tarde então?"

Claro, Lucky. Mais tarde nos falamos então.

domingo, 3 de outubro de 2010

Estranho

- Sabe, os meus pais sempre me dizem para eu não falar com estranhos.

A voz de Lucky me tirou dos meus pensamentos. Me lembrei que os meus pais também me diziam isso com frequência.
"Essa frase não faz sentido. Todos são estranhos para você, até que você os conhece. E se você não falar com eles, como vai conhecê-los?"

"Hahahá... Acho que não é exatamente isso que os adultos pensam quando dizem isso para as crianças"

-Ele me dizia a mesma coisa.
-Hum?
-Meu amigo. Ele me dizia a mesma coisa. Se você não conversar com eles, nunca vai conhecê-los.

"É preciso diferenciar quem vale a pena conhecer, e quem não vale a pena."
-Casper tem razão, Lucky. Tem certas pessoas que é melhor nem conhecer.
-Mas alguma coisa em mim me diz que você não é uma dessas pessoas. Eu acho que vai ser muito bom eu te conhecer melhor.

Essa garota é realmente estranha. Algumas vezes ela parece ser um bebezinho, e outras ela parece mais velha do que eu...

-Eu ouvi isso!

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Meditação 2'

Uma batida na porta me chamou a atenção. Meus pais não recebiam visitas a um bom tempo. Tinham medo que eu desse um ataque na frente delas. Eram muito violentos. Eles mentiam muito quando vinham visitas e quando falavam ao telefone. Quanto mais mentiras contavam mais me enlouqueciam. Não importava que não estivessem mentindo para mim. Só importava quando mentiam. Aprendi a ler seus pensamentos pela convivência. Minha mãe abriu a porta. Ninguém notou minha presença na escada.

- Olá, doutor. - Ela disse para um homem estranho na porta. Vestia um terno bege misturado a cor de burro-que-fugiu e segurando uma maleta musgo misturado a verde-vomito, provavelmente tentando imitar couro de crocodilo pelo padrão empobrecido. Um médico sem duvida.

Será que havia alguém doente e eu não notara? Teria feito um remédio caseiro. Por que não me contaram. Seria a oportunidade perfeita para as sombras me ensinarem mais sobre medicina e química. Teria ficado perfeito como tudo o mais. Pediria um quite de química assim que terminasse de aprender sobre aerodinâmica. Aprenderia também sobre culinária. Assim ninguém desconfiaria de mim. Anotar, assistir muitos programas de culinária na TV, na minha agenda lotada confirmado. Com as aulas tinha que maneirar no tempo de aprendizado para ter tempo de fazer todas as tarefas. Qualquer coisa veria no meu computador videos de culinária no youtube caso fosse preciso.

- Olá, Meredifh. O seu filho...? - O medico parecia um tanto leigo, mas ainda sim tinha certeza de que faria seu trabalho direito. Seria bom ter uma segunda opinião. A unica coisa que ainda me mantinha ali era a curiosidade mórbida de saber se havia alguém doente na casa. Poderia ler os pensamentos de minha mãe depois mas queria saber aquilo eu mesmo.

- Está lá em cima, doutor. Brincando com um novo jogo que lhe demos. Um helicóptero de montar.

- Não é um tanto perigoso?

- É para menores de cinco anos... Ele é inteligente. Vai ficar bem. E de qualquer forma o helicóptero não pode voar. Não há motor. É para pais e filhos montarem juntos admito, mas estava muito estressada e não acho que possa passar por mais um único ataque.

- Vamos ser rápidos. Assim que terminarmos vou querer conhecer seu filho pessoalmente para ver se o diagnóstico está mesmo correto.

- Tenho tanto medo que ele ataque a um dos irmãos doutor. Você tem que ver qual é o problema.

- Seu marido está em casa? Vocês tem outras crianças? - Que interrogatório mais fajuto. De onde ele tirou isso? De um filme porcaria de espião?

- Meu Frank está no trabalho. Tenho mais dois filhos. Uma de cinco e outro de um e meio. - Extremamente fraco e tolo. Não entendo. Eu com um ano e meio já era muito mais esperto do que ele. "Nós dissemos que você é especial." - Minha filha, com cinco, está na escola. Colocamos os dois em horários diferentes para facilitar tudo. O mais novo está dormindo no berço. Que se encontra em meu quarto. A porta está trancada. Não há facas pontudas nem produtos químicos para limpeza ou qualquer coisa letal ao alcance dele. - Que ela saiba. - Quero dizer. O mais velho. O que eu lhe pedi que examinasse.

- Sim eu entendi. Fez muito bem. - Então ele estava aqui por causa de mim? Isso me chocou embora acho que eu no fundo devesse saber.

- E então doutor? O que é? - Claro. Então foi por isso que tiraram sangue e fizeram todos aqueles testes de perfil que eu tive o cuidado de confundir o sistema para que não tivessem chance de descobrir nada.

- Acho que é... Epilepsia. - O choque me tomou. Droga. Acho que eu exagerei um pouco ao confundir os testes de perfil. "É o que parece garoto. Mas vamos corrigir isso da melhor maneira possível."

- Ah! Meu deus... isso... isso... é horrível.

- O pior é que não há cura. Apenas um tratamento para suavizar os efeitos. Eu odeio dar esse tipo de noticia a meus pacientes. Todo o medico odeia das noticias tão ruins a seus pacientes. Mas não havia mais nada a não ser falar. Foi o que deu nos testes. Eu só espero que eles estejam errados.

- Por quê? Por que o senhor acha que é algo tão horrível?

- Os sintomas são bem claros na maioria das vezes... Claros até demais no caso do seu filho. Os sintomas dele pelo que entendi são: "Ausência", - E o feitiço se voltou contra o feiticeiro. Eu fiz isso para não me meter em problemas e em seguida isso me põe num problema ainda maior. - Alucinações visuais, etc. Eu só espero estar errado.

O medico foi falar comigo. Eu subi antes que pudessem me ver, mas sempre tendo certeza de não perder nenhuma parte da conversa. Abri a caixa de meu helicóptero e separei as peças antes deles chegarem.

- Olá. amigão. Eu gostaria de conversar com você.

- Eu não quero conversar! Não quero! - Se achavam que eu era epiléptico era melhor seguir a onda. Isso me daria vantagem sobre eles. Sem falar que... agora que eu cavei o buraco posso muito bem me enterrar nele.

Não ia conseguir mudar a opinião do médico. Ele veio aqui para comprovar para minha mãe que estava certo não para tentar se convencer de que não estava e eu tinha outro problema. Isso daria muito dinheiro a ele, aos hospitais e farmácias. Médicos em geral não são assim. Mas este era especialmente maléfico. Era uma pessoa totalmente 'sã' do mundo a sua volta. A melhor parte de cada pessoa é a parte 'louca'. A parte 'sã' é aquela que faz com que pessoas matem umas as outras e façam coisas terríveis, e então culpam os 'loucos' é sempre assim.

- Como quiser. Posso te ajudar com isso? - Dei de ombros. Não ia falar a não ser em momentos oportunos. Manipulação.

- Se quer. - Ele foi pegar uma peça do monte de finalização.

- Não! Essa não! Não mexe ai!

- Mas não que ajuda? - Ambos ficaram perturbados com minha atitude. Para eles todos os cantos eram iguais. Para mim tinham um padrão bem franco. - O que tem de especial nessas pessoas?

- Você quis ajudar não eu que quis ajuda. - Isso os deixou duplamente abalados. Era um pensamento coerente demais para alguém supostamente epiléptico. Uma criança de dez anos não seria capaz de raciocinar isso com um cérebro normal. - É o monte de finalização. Ai estão as peças que vão ser colocadas bem no finalzinho.

- É mesmo. E essas aqui? - Ficar calado...

- Não quero falar! Não quero falar. Eu já disse que não!


Desse momento em diante meus pais nunca mais me deixaram só. Ao menos um deles sempre estava ao meu lado. Me faziam conversar mais do que eu gostaria com eles e se eu falasse sobre as sombras eles imediatamente achavam que eu estava tendo 'novamente' um ataque epiléptico. Cansativo. Eu precisava de um espaço. Desse jeito não tinha tempo de aprender mais com as sombras e meus protótipos tinham de ficar escondidos todo o tempo. Mas eu gostava de olhar para eles. E eles precisavam de manutenção. Passei a ficar acordado durante a noite e durante o dia ficava completamente exausto, sem conseguir dormir por causa de meus pais, sempre tentando me manter 'ativo'.

Cada vez mais cansativo.

Meditação 1'

Eu estava meditando. Para alcançar a paz espiritual e manter minha mente longe de olhares curiosos eu deveria fazer isso. Ainda mais se pretendia repensar minha história.

"O que está fazendo irmãozinho?"

- H'mmm...

Meditando Casper. Se quero manter o mínimo de sanidade preciso meditar.

"Acorda, maninho. Você já é louco. Não tem como ficar ainda mais. É tão louco que até se chama assim."

Não enche, Vince. Não tenho tempo para discutir com você agora. Tenho muitos pensamentos a reorganizar. A meditação é uma forma certa e sem efeitos colaterais de se fazer isso. Mas o fato é que um efeito colateral. Vocês não poderão me 'ouvir' enquanto eu estiver meditando.

"Quer dizer que estaremos bloqueados?"

Exatamente Casper. Você entendeu rápido. Sinto muito mas é a unica forma de forma de fazer isso direito.

"Se é o que você quer irmãozinho."

Sim. Obrigada Casper. Vou me ausentar por um tempo. Mas peço que mantenham todos longe daqui até eu terminar. Preciso de paz e silêncio.

"Como você quiser maninho!"

Isso incluí você, Vince.

"Hhahahaha... Vem carinha. Temos que deixar o irmãozinho Louco aqui trabalhando em seus problemas de familia. Ele vai ter que lidar com eles cedo ou tarde então é melhor que faça logo."

"Como quiser, Casper."

Eles foram. Agora posso me concentrar. Fico feliz que Casper seja tão compreensivo. Já Vince... Bem, ele não vai ouvir nada mesmo que apareça por aqui.

- H'mmm...

Quando completei cinco anos percebi que as sombras era muito mais espertas do que eu realmente notara. E elas sabiam que eu havia percebido. Tive uma séria briga com elas. Neste momento em diante elas passaram de amigos e confidentes a mestres. Elas estavam junto a mim em pares de dez na época. O dobro da quantidade normal de sombras por pessoa. Por 'loucos'.

Por que não me contaram?! "Sinto muito... Mas a culpa não é só nossa. Você nunca perguntou." "Estava feliz apenas com nossa presença e pequenos ensinamentos." "Nunca reclamou de ser o que você é depois de sua primeira vez" "Não queríamos magoa-lo" "Só o que pensávamos era em te proteger, meu jovem."

Então vão me ensinar tudo o que sabem? "Podemos tentar." "Se é o que você quer..." "Com todo o prazer" Obrigada. E sem mentiras por favor. "Podemos omitir pequenos fatos." "Mas nunca mentiríamos para você." É bom confiar em ao menos alguém.

"Claro que é garoto... claro que é..."


E assim elas me ensinaram o máximo que sabiam sobre todo e qualquer assunto, não importando se era aplicado física ou mentalmente. Aos seis eu já era um pequeno gênio das artes marciais e físico nuclear. Aos sete o melhor químico do mundo, melhor do que todos os maiores gênios. No patamar de Einstein até mesmo. E também perito em todo o tipo de engenharia e desenho. Poderia pintar quadros tão bem elaborados quanto a Mona Lisa de Leonardo da Vinci. Sabendo mais sobre história do que professores de faculdades.

Mas nunca contei nada disso a ninguém. De que adiantaria? Eles perguntariam onde eu aprendi aquelas coisas. Como eu, um garoto tão jovem, poderia ser avaliado ao nível de faculdade e tão hábil quanto um cirurgião quando numa operação? Sim... elas também me ensinaram sobre isso. Pedi a meus pais para me darem aquele jogo... Como se chama mesmo? Sim, é mesmo, se chama operando e também um lego. Fiz algumas modificações a pedido das sombras (Elas também me ensinaram sobre engenharia robótica e aparelhos elétricos) para que pudesse aprender sobre anatomia e cirurgia. Deu trabalho na pesquisa de texturas mas valeu a pena.

O gênio de sete anos de idade que a cada ano que se passava ficava mais esperto em todo o tipo de coisa. As sombras eram os melhores professores que alguém poderia arrumar. Incríveis.

Mas aos seis uma tragédia aconteceu. Algo que eu não contei para ninguém. Um ano antes de eu conseguir fazer uma fusão a frio totalmente segura. Na mesma época em que aprendi defesa pessoal. Eu estava subindo para meu quarto logo após ter ganhado o helicóptero de montar que eu havia pedido semanas antes.

Meus ataques estavam mais violentos do que nunca. Meus pais mentiam com mais freqüência para mim. Quando perguntavam eu dizia não me lembrar dos ataques. Mentiras, não tão graves quanto as que me contavam... ainda assim eram mentiras. As sombras me pediam para fazer isso ou eu seria castigado e então não poderíamos fazer as coisas que para mim eram tão importantes. Os ensinamentos delas.

terça-feira, 27 de julho de 2010

Primeiras Divagações'

- Quem é você? Por que me prenderam aqui? - E ela continuava a falar. Mas no entanto não me ouvia.

A não ser que eu quisesse. Há muito as sombras me disseram que a meditação serve tanto para alcançar a paz interior quanto para bloquear pensamentos inoportunos. Lembro-me como se fosse hoje ainda. Elas se tornaram meus mestres no momento em que percebi toda a sabedoria que continham em si. Na época eu tinha apenas cinco anos. Não muito mais do que essa garota.

As sombras me apareceram aos três. Seis sombras me vieram a essa idade. Nessa época eu já era muito prematuro. Tinha dificuldade em me adaptar e conseguir amigos. As seis sombras me apareceram. Meu primeiro contato com as seguintes. Tive a audácia de contar para meus pais. Foi meu maior erro.

- Mãe! Mãe! Olha só meus novos amigos. Eles disseram que se chamam sombras. Eles não são lindos?

- Do que você está falando meu bem? - Ela parecia confusa. Mas apenas isso. Nada anormal. Ela sempre fora confusa com relação a mim. Desde meu primeiro ano de idade eu já era prematuro e incomum. Nunca tive uma infância comum. Uma sombra de esperança apareceu em seu rosto. Ela era tão inocente... O que é irônico. - Novos amigos? Isso é ótimo meu bem. Por que não me apresenta a eles.

- Venham pessoal. Quero que minha mãe possa conhecer vocês. Mãe, essas são as sombras. Sombras, Minha mãe.

- Onde eles estão querido? Não estou vendo ninguém.

- Aqui, mãe. Bem na sua frente.

"Ela não pode nos ver garoto."

- Como assim não pode ver vocês? Mas eu posso!

"Você é diferente... Sua mãe não é. Acostume-se. Não ligue para isso..."

- Eu não quero ser diferente.

- Com quem você está falando meu amor?

- Eu te disse. As sombras. - Ela mordeu o lábio inferior. "Não tem uma escolha entre ser diferente ou não. Mas entenda... Muitos dariam a alma para ser como você." - Por que não me descreve os seus amigos para eu saber o que procurar? Vai ver eu só não estou tentando o suficiente.

- Tudo bem! - Viu só? Ela só deve estar precisando de óculos. - Eles não tem uma forma certa... Ficam mudando de cor do nada... como um arco-íris, só que apenas uma cor de cada vez ao invés de todas de uma vez só. Quando estão irritados ficam de um vermelho tão vivo quanto o sangue.

- E como sabe de que cor é o sangue?

- É porque eles me mostraram um vídeo com uns médicos. Foi bem legal. Quando estão tristes ficam de um verde musgo. Eu sei porque eles também me mostraram num documentário sobre a natureza.

- E de que outras cores ficam? Fale meu bem.

- De todas as cores que puder imaginar e outras mais. Cores que não podem ser descritas em palavras. Cores muito bonitas. Cor-de-mar... Riacho, Lama, Fucsia. E outras mais... Tem certeza de que não os está vendo? - Fiz um beicinho. Ficava triste de ser diferente de outras pessoas.

"Não fique, meu jovem. Não fique." Como eles me ouviram? "Podemos ouvir tudo o que diz em pensamento. É um de nossos dons. É telepatia como chamam isso." Telepatia? Já ouvi falar. Mas não entendi na época. "Você era muito novo na época." Mas ainda sou novo agora. "E muito mais hábil."

- Ah! Acho que sei de que está falando, benzinho. Olá sombras. Como vão? Eu sou a mãe do seu amiguinho. Cores muito bonitas as suas. Ele tem razão. São cores magníficas.

"Ela está mentindo. Não está nos vendo. Está tentando apenas engana-lo." Como podem ter certeza? "Ah... nós escutamos os pensamentos de todos a nosso redor. É só você perguntar que diremos. Ela está mentindo. Portando prove que você sabe disso. Não a deixe te manipular desse jeito." As lágrimas encheram meus olhos. Mas minha mãe não viu. Eles tinham razão. Ela não tinha direito de fazer isso comigo.

- Desgraçada! Mentirosa... Eu te odeio. - Comecei a lhe bater e arranhar. - Ah! Por quê? Não é justo!


Ela me parou da melhor forma possível. Meus ataques aconteciam sempre que mentiam para mim. Eu não gostava de saber que era diferente... Mas isso não era desculpa para mentirem para mim. Eu sabia que eles achavam que eram apenas amigos imaginários. Eu sabia que mentiam para me fazer feliz. Mas quanto mais tentavam me agradar com coisas fúteis... mais ódio deles eu sentia. E mais violentos se tornavam meus ataques. Isso durou até os sete anos.

- Por quê? Me fale... Por quê? - Lucky. Claro. Epa. Havia me esquecido de sua presença. Eu tentava falar com ela, mas me perdi em lembranças. Iria lhe responder. Mas não falando. Que bom que eu aprendi a meditar. Fico feliz de ninguém ter ouvido nem visto o que acabara de pensar. Nem notariam. Eu coloquei pensamentos sobre as babás no lugar dos outros. A cada vez que meditava mudava a programação. Quase todos ouviram que eu estava pensando sobre a pobre garota.

Por que Lucky? Porque você é diferente. E as pessoas 'sãs' não suportam que ninguém seja diferente. Eu sou um amigo. Você vai ver. Vamos nos dar bem, eu acho.

domingo, 18 de julho de 2010

Sombras'

Andando de um lado para o outro desesperado. Desesperadamente desesperado. A garota depois de duas semanas acordou e eu não pude nada dizer a ela.

Mas que droga!

"Calma, Licurgo... Você vai ter outras chances. Todos sempre acabam por parar na sala branca no mínimo uma vez desde que acordam. Você mesmo não foi uma exceção."

Ela é só uma criança! Eu estava bem até uns seis anos. Ela mal tem três! Não deveria nem estar aqui. E esse amigo dela? Será mesmo uma sombra?

"Claro que é. Você me repassou a história toda não lembra? E quais as possibilidades de ser um amigo imaginário? Zero por cento?"

Eu sei... mas se forem mesmo as sombras... Por que apenas uma delas a acompanha? Elas sempre estiveram ao meu lado aos montes. Milhares delas sempre estavam comigo. Nem tinha paciência para contar quantas.

"Você fala como se alguma vez tivesse tentado."

Exato! Nunca eu ia pensar em contar um numero tão grande. Da mesma forma que nunca tentei contar quantas estrelas existem no céu.

"É. Mas as sombras normalmente andam em grupos de cinco ao lado das pessoas. Você foi uma grande exceção."

Cinco é um numero razoável. Uma não é.

"O que você acha Vince?"

Vince é nosso 'irmão adotivo'. Somos como os três mosqueteiros. Vince chegou aqui um ano e cinco meses antes de mim. Casper por outro lado passou a maior parte de sua vida aqui. Ele tem vinte e cinco anos e ficou aqui durante quinze desses anos.

Eu tenho dezesseis e Vince dezoito. Na verdade nos conhecemos aqui no manicômio e viramos praticamente irmãos. Três 'irmãos adotivos' dentro de um manicômio que se encontra no meio do nada. Como meu pai diria mesmo? Ah. Sim... Um bando de fracassados.

"Seu pai não poderia estar mais errado."

O que posso dizer Casper? Fora desses portões não se pode escolher a familia.

"Falou bonito irmãozinho."

Cale a boca, Vince. Não sou tão mais novo que você pra me chamar de irmãozinho.

"Comportem-se vocês dois. E então Vince? O que acha?"

"Não sei... Mas logo vamos descobrir não é?"

Compreensão

Os dias foram se passando sem que nada de especial acontecesse. Para mim, os dias pareciam iguais... Há quanto tempo estou aqui? Um mês? Dois?

"Acho que deve ser um mês"

Um mês... um mês inteiro...
Fiquei olhando para o nada. Pensar no que perdi me faz me sentir ainda pior. Pensar no agora tampouco ajudava.

"E nada que alguém diga mudará isso, não é?"

Infelizmente, não.

Acho que vou dormir.

"De novo? Tudo bem, então..."

Eu ia dormir ali mesmo, sentado. Não era muito confortável, mas o que eu poderia fazer?

"Ei, Licurgo! Acorda, acorda!"

Abri os olhos o suficiente para ver a luz, mas não o suficiente para ver quem falava comigo.

O que foi?

"Ela acordou!"

Ela!?

Levantei rapidamente. Finalmente, aquela garota acordou. Eu não sabia por que, mais queria falar com ela.

Fui para onde ela estava. Pelo visto, ela ainda não havia entendido a situação, pois estava falando alto. Muito alto.

- Onde eu estou? Eu quero sair daqui!!! Cadê... cadê ele?? Eu quero ir embora!!!!

Uma pessoa qualquer tentava tranquiliza-la.

-Calma, calma... Fale mais baixo... senão 'eles' vão ouvir...

Me aproximei da menina. Não tinha ideia do que iria falar, mas tinha que falar alguma coisa.

-Er...oi!

-Ahn? Você...- ela falou calmamente e, felizmente, mais baixo.

- Qual é o seu nome?

-Hun... Lucky.

Lucky? Irônico...

-Ai! Você... você falou? Mas como...?

Entendi. Então, ela também 'ouve'....

"Eu estou com medo..."

Não se preocupe

-Como é que...?

Então, ela tambem tinha a 'voz'. Usava-a, mas sem saber como...

-Fique calma, Lucky... Vai ficar tudo bem. Só não grite mais, tá?

-Tá.
"O que está acontecendo aqui?Como ele sabe o que eu penso? Por que eu também ouço ele?"

Isso era estranho. Ela estava pensando para si mesma, mas eu conseguia ouvi-la claramente.

-Cadê... o meu 'amigo'? Onde ele foi?

-Amigo? Se refere às "sombras"?

- Eu não sei.... o meu 'amigo' estava sempre comigo... mas ele não está aqui...

-Como é o seu 'amigo'?

-Eu não sei... ninguém consegue ver ele. Mas ele fala comigo, me diz coisas bonitas... Ninguém acredita em mim, todo mundo diz que ele não existe. Você também não acredita em mim?

Alguma coisa nela me fez me lembrar da minha infância. Assim como aconteceu com ela, ninguém acreditava quando eu tentava falar sobre as "coisas" que eu via. Até eu perceber que não precisava que ninguém acreditasse...

-Eu acredito em você!

... Mas teria sido bom se pelo menos uma pessoa entendesse...

sábado, 17 de julho de 2010

Paraíso Imperfeito'

E então uma semana se passou. A garota ainda não tinha acordado. Será que havia algum problema com ela? Quem sabe algo aconteceu...

"Não se preocupe com isso Licurgo. Venha ou as babas vão te amarrar numa camisa de força. De novo."

Isso não tem nada a ver. Eu nem fiz nada de mais. Eles que me deram aquela coisa nojenta pra comer.

"Eles sempre dão isso a todo mundo por aqui. Todos os dias. Essa comida parece até mesmo estar viva. É nojento, mas ainda assim é verdade."

Claro, claro. Mas por que ela ainda está dormindo? Eu também fiquei tanto tempo assim em coma induzido?

"Todos ficam. Como ela é menor e eles não estão acostumados a lidar com crianças deve ser pior. Ela deve ficar assim por mais uns dias."

Dias?! Mas isso já está durando além da conta! Não podem continuar com isso. É absurdo.

- Muito bem seus cabeças-ocas. Façam qualquer coisa com a tinta e parem de ficar olhando para o nada.

Estávamos nas aulas de arte. Aqui eles tentavam nos por em todo o tipo de atividades. Pinturas e esculturas com argila para serem dadas as nossas familias, atividades físicas como voleibol e caminhadas ao ar livre. Bem. Não exatamente ao ar livre. Sempre ficamos no perímetro do muro. Há muitas arvores por aqui. Ao menos continuo a ver arvores e terra. É tudo o que sobrou de minha antiga vida.

Qualquer coisa que nos esgote é bem vinda no manicômio. Assim não temos energia para causar problemas as nossas babas. Os homens de branco.

Algumas pessoas 'sãs' algumas vezes vem parar aqui. Seja por engano ou para pararem de causar problemas a outras pessoas 'sãs' de fora desses muros. Eles ao contrario de nós os 'loucos' não tem um senso de moralidade. São apenas peças de um quebra cabeça sem sentido. Depois de um tempo longe de seu sistema de criticas e problemas. Depois de um tempo no meio da grande paz que emana deste lugar e sem comunicação tornam-se piores e mais violentos do que quando chegam.

- Ei. Chefia. Olha só o que vou fazer com esses loucos idiotas. - Sussurrou uma das pessoas 'sãs'. Em seguida gritou apontando para uma porta pintada na parede. - Pessoal! Tem uma porta aqui. Vamos escapar!

Outras pessoas supostamente 'sãs' correram em direção a porta e bateram de cara. Os 'loucos' como eu e Casper ficamos só olhando aquela demonstração patética de quem é que foi mais afetado pelos problemas de solidão.

- Hahaha... O que eles não sabem é que eu estou com a chave. - Apontou para um retângulo de papel que continha a figura mal desenhada de uma chave em si.

- Claro que tem. Agora por que não fica quietinho ali no canto vendo os outros trabalharem?

- Certo chefia.

"Patética tentativa de conversar com uma pessoa 'sã'."

Coitado. Nem sabe o que está perdendo.

"Além da dignidade?"

Não seja cruel Casper.

"Ora. Todos temos direito de nos divertirmos maninho. Fique só olhando. Antes do dia acabar aquele cara vai parar na sala branca."

E você ainda duvida? Ele é o mais problemático daqui. O pior é saber que isso só vai deixa-lo mais desesperado. E se um dia sair daqui não vai mais conseguir falar com pessoas como ele.

"Não sinta pena Louco. Ele vai se tornar mais feliz assim. Esse cara não se encaixa. É um híbrido. Tanto um dos nossos como um dos 'deles'. Não se encaixa. Tem de viver apenas de um lado da linha. Como ele não pode ser totalmente 'são' tem de ser obrigado a se tornar 'louco'. Não vai ser um louco perfeito. Terá mais falhas do que qualquer outra coisa. Ainda assim é o melhor que pode lhe acontecer."

Sim. Não há nada que possamos fazer.

"Vamos irmãozinho. Temos algumas esculturas de argila pra fazer. Logo, logo esse infeliz vai criar juízo e ser 'liberto' por bom comportamento."

Algum dia nós vamos poder sair daqui?

"Você realmente quer sair? Eu não acho que eu vá a lugar nenhum. Posso sair quando quiser e embora possa fugir sem ninguém descobrir prefiro ficar aqui."

Por que?

"Esse lugar é tão bom quanto o paraíso. O único problema são as babas. Por que eu iria querer voltar para aquele inferno lá fora onde irmãos matam irmãos?"

"Casper está certo garoto. Nenhum de nós quer voltar. Por que insiste tanto?"

Quero ver as sombras Vince. Elas são minhas amigas. Tenho de encontra-las.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Recomeço

Isso é muito bonito...

Casper me levou até o terraço. Demos sorte, pois ninguém nos viu. Pelo menos, nenhum dos babás...

O terraço mais alto era realmente alto... Mais alto do que o muro que nos separa do mundo lá fora, mais alto do que muitos prédios... Mais alto do que qualquer lugar onde eu já estive.

Como ele havia dito, realmente dava para ver as sombras do alto. Mas era apenas isso... qualquer tipo de comunicação com elas seria impossível. Elas estavam longe, muito longe...
É isso: tenho que aprender a viver sem elas. Preciso recomeçar, preciso encontrar um novo sentido para a minha existência... Afinal, esse é o meu novo lar agora...

"Sinto muito que tenha que ser desse jeito. Mas não se preocupe, você vai ver, vai encontrar amigos aqui."

Eu sei disso. Mas eu não desejava essa mudança. Eu sei que eu tenho que aceitar, mas...

"Vai ficar tudo bem... É melhor decermos, ou então podem dar a nossa falta lá embaixo..."

Tem razão. Vamos descer.

A descida também se deu sem problemas.

"Está surpreso? Eu tinha te dito, Licurgo, eles nunca sobem aqui"

É, mas, mesmo assim, eu não imaginava que seria assim...

Quando voltamos ao campo, este estava tomado por gritos. Mas não eram gritos que vinham da mente de alguém. Eram gritos que poderiam ser ouvidos por qualquer um, gritos "falados".

"Tem alguém novo aqui"

Novo? Acho que o mais correto seria "nova". Era a voz de uma menina. Havia um grupo em volta do lugar onde ela deveria estar, por isso não consegui vê-la.

"Eu acho que eu estou vendo ela. Mas... minha nossa, é uma criança!"

Criança?

"Deve ter uns dois ou três anos. Nossa, nunca tinha visto alguém tão jovem por aqui..."

O que está acontecendo? Não estou vendo...

"Estão tentando fazê-la ficar quieta. Ela está desesperada. espera, eles... acho que injetaram um calmante nela..."

Deveria ser verdade, pois os gritos cessaram. A multidão em volta dela se dispersou. Finalmente consegui vê-la: realmente, parecia ter uns dois ou três anos. Estava quase inconsciente no gramado.

"Quer ir falar com ela? Não acho que tenha algum problema"

Me aproximei da garota. Uma das babás começou a me encarar seriamente.

- Eu... quero...ir...para casa...- a menina falava lentamente, com certeza devido ao medicamento. Ela parecia mais um bebê. Fiquei me pergutando quem seria o doente que a teria mandado para cá.

- Amigo,... não... me deixe...- ela não estava se referindo a mim. Olhei para trás, mas não consegui ver quem era o "Amigo".

A garota fechou os olhos. Estava inconsciente.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Liberto! Ou Quase'

Nessa manhã afinal me deixaram sair. Quantos dias fiquei preso? Me mandaram para um campo ensolarado. O sol queimou meus olhos. Fiquei muito tempo sob luzes artificiais. Um suspiro de tristeza me escapou. Eu estava só. Não me incomodava. Eu já estivera sem as sombras antes. Só nunca por tanto tempo e sempre sabia que me voltariam.

A tristeza me sufocava. Me arrastei para um canto. Entendi o motivo de me acharem perigoso. As sombras me davam poder. Aquelas criaturas sem forma de cores inimagináveis que nenhuma pessoa supostamente 'sã' poderia ver no mundo. Elas me permitiam por outros a meus pés em menos tempo que um piscar de olhos. Mas os outros viam isso como se eu estivesse mesmo fazendo algo. Eu nunca havia notado aquele poder antes pois nunca precisei usá-lo.

Que tolo eu fui. A tristeza estava ali em minha informação. A saudade e o pesar me consumindo. Me enroscava em mim mesmo. Não havia ninguém para me consolar. Eu enfim estava totalmente só. E ainda assim. Apesar da dor profunda da separação eu entendia.

Na solidão da sala acolchoada eu entendi muitas coisas. Eu já sou o que tantos consideram louco. Eu não mudaria em nada de meu ver mas outros me considerariam ainda mais louco do que antes.

Eu tenho meu próprio mundo e o compartilho com tantos outros iguais a mim. Apesar de estarem calados eu ouvia as vozes de outros 'loucos'. A tristeza e a dos contidos em cada uma daquelas vozes. Vozes que pessoas 'sãs' não ouviriam. E vozes que as pessoas 'sãs' não possuem. Elas estão tão centradas em seus mundos que perderam essas vozes. Vozes que nossos ancestrais possuíam mas que hoje muitos não possuem mais.

Aqueles 'loucos' do manicômio que olham para o lado sem olhar não estão realmente loucos. Apenas tem um entender do mundo maior do que outros que não estão num estado tão avançado. Eles apenas se esquecem de mexer os lábios e fazer o som sair.

- "Fantástico não? Coisas tão impressionantes que normalmente não se vê por ai. E temos todos tanto receio de vir para cá. Eu poderia viver aqui para sempre."

Olhei para o velho homem que falava comigo. Ele não mexia os lábios para pronunciar as palavras. Os homens de branco o estranhavam aqui comigo. Enfim ele mexeu os lábios que, pelo que entendi, foi para não me assustar mais ainda. E também para tranquilizar os estranhos homens.

- É claro que não. Aqui nesse lugar não precisamos falar. As babas não vão incomodar a não ser que achem que precisam.

- Babas?

- "Os caras que você chama de homens estranhos de branco. É como os chamamos aqui. Babas. Porque estão sempre nos dizendo como agir, pensar, comer e falar. Ninguém merece." - Desta vez ele não falou. - "Será que da pra parar com isso? Eu posso ouvir seus pensamentos sabia? Assim como você pode ouvir os meus."

- Desculpe. - Por que continua sendo tão estranho não falar?

- Você vai se acostumar assim como todos aqui. "Qual é o seu nome?"

Não falo o meu nome. Nunca. Será que devo mentir?

"É possível mentir com os pensamentos. Mas você é muito inexperiente e por isso não conseguiria. Por que não fala o seu nome? E pelo que vi também não pensa nele."

Deixei meu nome para trás faz anos. Dez para ser mais exato.

"Isso é um pouco triste não acha? Viver sem um nome. Como as pessoas se referem a você?"

Normalmente só como o filho louco do vizinho. Ou quando estão falando diretamente comigo e tem que chamar a minha atenção só me chamam de anormal ou 'você ai'.

"Isso não é muito gentil... E como as sombras te chamavam?"

- Irmão. Mas elas foram embora. As sombras se foram. Elas não estão mais aqui. Por que? Argh! - Levantei-me de um salto.

As babas começaram a se dirigir a mim.

"Ei! Calma Licurgo. Não quer ser mandado a sala branca novamente não é? As babas tão vindo ai. Aja normalmente. Ou melhor. Aja como eles querem que você aja. Como um completo louco sem noção e meio afetado."

- Como é? Do que está falando?

"Fique calmo e cale a boca. Sente e faça cara de quem não sabe o que está acontecendo."

E posso saber o que esta acontecendo?

"Você surtou e se levantou de repente sem motivo, falando coisas sem sentido pois, supostamente, não está conversando com ninguém."

Epa. Foi sem querer.

"É. Epa mesmo. Agora trate de fazer o que eu mandei. Lembre-se. Eu só estou sentado do seu lado sem falar nada. Não tenho nada a ver com isso. E não trate de revelar sobre nossa conversa. Ninguém vai acreditar em você mas é melhor não arriscar. Eu vou negar tudo o que você disser. Dizem que eu sou o mais louco dentre todos os loucos deste manicômio. Não vou ter dificuldade apesar de que os unicos loucos estão fora destas paredes."

Por que me chamou de Licurgo?

"Achei que como vamos ser amigos você deveria ter um nome. Licurgo é algo bem semelhante a louco. Entendeu? Louco no caso seria só um apelido. Todos aqui vão querer saber seu nome e se você não tiver um... Bem, cada um aqui vai te apelidar de uma maneira e vai ser o caos pois ninguém vai entender nada. Principalmente eu."

"Aqui de agora em diante vai se chamar Louco. Licurgo, o Louco."

Tipo Dom Quixote de la mancha?

"Quase isso Louco. Quase isso."

Qual o seu nome?

"Casper. Casper Still."

Tipo o fantasminha camarada? Esse é mesmo o seu nome?

"Como se eu não tivesse escutado essa antes. É. É o meu nome. Não exatamente. Eu como você abandonei o meu nome a quinze anos atrás. Mas eu adotei outro que tinha mais a ver comigo. Casper agora é o meu nome. E quanto a Still... Eu também inventei o sobrenome. Vem de ainda louco. Ou quase. Haha."

Casper Still. Meu primeiro amigo no manicômio. Ou quase.

"Claro irmão."

Uma antiga tristeza me tomou. Me encolhi.

"Me desculpe. Não tive a intenção."

Eu sei. Eu é que estou muito sensível. Irmão... Nunca tive um irmão. Só uma irmã. Coisas de garota. - Me encolhi. - Haha.

"Licurgo Still. Gosto de como soa. O que acha? Pra mim seria uma honra."

Deve ser a isso que as sombras se referiam. A encontrar meu semelhante. Tremi. Lembrar delas causava dor. Por que me abandonaram?

"Elas não entram no manicômio. Tem medo dos homens de branco. Acho que é a isso que se referiam. Elas deixam a todos os que daqui se aproximam. Se quiser vê-las vá ao terraço mais alto. Não temos permissão de ir lá. Algumas vezes eu acho que eles as enxergam também. Mas nenhum deles sobe lá. Posso te levar mais tarde. O que acha?"

Obrigada.

"É para isso que servem os irmãos não é? Para cuidar uns dos outros. Ou pelo menos eu acho que é isso. Não observei os loucos lá de fora por tanto tempo como você."

Solidão

Onde elas estão? Eu não me importo de estar sozinho, não me importo de estar em um lugar assim... Não teria problema nenhum se elas estivessem comigo...
Mas as sombras não estão aqui, não estão em lugar nenhum. Será que foi isso que elas quiseram dizer quando falaram que um dia iriam me deixar? Não, elas não podem me deixar agora... logo quando eu mais preciso delas...

Me colocaram em uma sala completamente branca. Não havia quase nada lá dentro. Era perturbador. Não havia cor nenhuma, havia apenas o branco... Era tão branco que eu poderia desmaiar...

-Desse jeito, eu vou acabar enlouquecendo...- não havia ninguém que pudesse me ouvir, mas mesmo assim eu disse isso alto. Se eu ficasse apenas pensando, não iria aguentar.

"Você é bem perigoso, deu muito trabalho para capturar"
As palavras daquele homem não saíam da minha cabeça. Perigoso, eu? Nunca fiz mal a ninguém. Por que? Por que isso tem que acontecer?

Talvez... talvez eu não deva pensar nas coisas dessa forma. Acho que a melhor forma de sobreviver a isso (e, de preferência, continuando são) é não pensar nisso como um problema. Talvez seja melhor eu encarar isso como algo novo, uma chance de mudar. Mudar? Não é exatamente o que eu queria, mas talvez seja a hora. Eles falaram algo sobre me juntar aos "outros". Como serão? Sei que não serão iguais às sombras, mas pelo menos devem ser melhores do que as pessoas ditas sãs.

Camisa de Força'

O que? Estou aonde? Que lugar é esse aqui? Por que estou aqui? As sombras onde se encontram? Estou. Estou sozinho. O que aconteceu?!

- Bem vindo ao manicômio. Aproveite bem a estadia, não vai sair daqui tão cedo.

- Manicômio? O que estou fazendo aqui? Minha familia nunca permitiria que me trouxessem para cá.

- Pensou errado. Eles pediram que o trouxessem para cá. Fomos pagos para isso. Eles não são mais sua familia. Mas agora que acordou... Que tal ir se juntar aos outros? Você é bem perigoso, deu muito trabalho para capturar. Vá andando e não cause nenhum problema, amigo.

- Eu não sou seu amigo. Não sou seu amigo! Não sou, não sou, não sou!

Mais homens estranhos apareceram e me agarraram pelos braços. Lutei para me libertar. Queria ir embora! Esse não é o meu lugar. Há tantos loucos lá fora matando uns aos outros e pegaram justo a mim. Por que? Por que?

- Não! Parem. Parem! Me soltem, agora! - As sombras me abandonaram. Sem elas eu não poderia me escapar. Por que? Por que fizeram isso? Por que minha familia fez isso? - Não! Parem! Chega. Não!

O desespero me tomou. Debati-me em vão. Eles eram muito fortes para mim. E mesmo que me soltasse não teria chance de escapar. Não! Não vou desistir. Mas relutar é inútil. O que me resta a não ser esperar... O ultimo grito de desespero e relutância escapou de meus lábios longamente enquanto era arrastado para longe e por dentro das portas que me trancariam.

- Nãaao!

- Comporte-se. Não vai sair daqui. Então se quiser ficar bem não cause problemas. Joguem-no na sala acolchoada por um tempo. Isso vai faze-lo se calar.

- Nãaaaaao! Por que? Por que? Nãaaaaaao!

Loucura'

Cheguei a minha casa... As sombras ao meu lado se agitavam e tentavam avisar-me que algo estava errado. Ignorei-as.

- Vocês devem estar exagerando. Duvido que haja algo lá além de meu cão e os outros.

Entrei na casa. O clima estava estranho. Talvez as sombras tivessem razão. Ou talvez eu é que tivesse ficado um pouco paranóico. Meu cão não havia ido me receber. Isso não é motivo para tanto.

No entanto... ele sempre o fazia. Minha mente vagou pelo cômodo. Uma, duas, três vezes. Nada encontrei. Portanto continuei a avançar.

- Duque? Duque, você esta ai? - Ouvi um ganido vindo do quarto. Sai correndo em direção a ele.

As sombras me gritaram. Será que é seguro mesmo ir em direção ao som apavorante? E se for um ladrão?

- Não interessa. Nenhum ladrão vai ferir meu cachorro enquanto eu estiver por perto! - Elas gritaram novamente "Então fuja!" e logo algumas delas desapareceram. Só poucas continuaram. Sombras pretas, exalando cheiro de pneu queimado. Que estranho. Elas nunca faziam isso. A não ser para afugentar alguém para longe de mim.

- Com licença, senhor. Mas tem de vir conosco. Seu cão ficará bem, não se preocupe.

Não me preocupar? Se há uma coisa que eu aprendi nesses meus 10 anos de convivência com as sombras é a me preocupar sempre que alguém falar para você não se preocupar. Ele agarrou meu braço com força e começou a me arrastar junto a ele para a saída da casa. Não falei que deveria me preocupar?

- Não faça isso! Quantos anos o senhor ai acha que eu tenho? Cinco? Pois eu tenho dezesseis e com muito orgulho viu! Posso andar sozinho. E não só isso. Posso muito bem cuidar de mim mesmo. - Quando vi o choque em seu rosto me aproveitei para arrancar a mão dele de meu braço e me esquivar de seu parceiro que desajeitadamente tentou me agarrar de novo. - E podem me dizer para onde pensam que estão me levando?

O cheiro das sombras negras se intensificou. Os pelos de meus braços se eriçaram por causa disso. Era horrível. Mas apesar disso funcionava pois com aquele cheiro qualquer um respondia as minhas perguntas, não importando quão tolas ou quanto evitavam me responder.

- Onde está meu cão aliás? Deve estar em algum lugar por aqui espero. Fiquem ai enquanto dou uma olhada.

Eles não suportaram o poder que da minha voz emanava junto com a ajuda das sombras e enfim não suportando seu peso seus joelhos dobraram-se com eles ficando assim, de joelhos em minha frente. Achei meu cão em outro cômodo.

Virei-me de volta assim que o soltei da jaula em que o trancaram. Ele veio correndo comigo.

- E então. Para onde vamos? - Algo atingiu minha nuca. Não havia percebido que eles dois tinham amigos com eles. Mais dois apareceram ali ao lado.

- Você verá meu amigo. Você verá.

- Vocês não são meus amigos. Eu não tenho amigos. E mesmo que tivesse eles não me tratariam assim.

- É claro que não tem. E como pode saber anormal?

Eu já observara aquelas pessoas tão loucas varias vezes. A unica coisa que percebi na maior parte do tempo eram loucuras mas algumas vezes vi outras coisas. A paixão, as amizades. Coisas tão difíceis de se compreender para mim. Não por eu ser tão diferente mas sim por não ter nada parecido para comparar. A inconsciência tomou meu corpo graças aquele dardo que me foi lançado e mais dois que me atingiram, eu ficaria inconsciente por alguns dias.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Sorte

O jeito que as coisas vão... acho que é loucura tentar entender o mundo lá fora...

-O que? Acham mesmo que eu estou falando como uma criança? E por que não?

E por que não? Gosto disso, gosto de ficar andando assim, sem rumo. Gosto de não ter que ouvir as vozes do mundo considerado "real", de ficar a sós com meus amigos...Sim, pois além de meu cachorro, as sombras são as únicas amigas que eu tenho. Gosto de sentir esses aromas adoráveis, ver essas cores tão bonitas, de não me preocupar com mais nada. Não ter que explicar para ninguém, não ter que responder perguntas ridículas.

"Pessoas diferentes das pessoas 'comuns' sentem coisas diferentes do 'comum' ". Vi isso escrito em algum lugar. Acho que se aplica bem a isso. Todos os dias, todas as horas, eu presencio o espetáculo de sensações criadas elas sombras. É uma pena que ninguém possa ver isso, que ninguém possa entender isso. Estão todos tão estressados, tão apressados, tão desconfiados, tão confusos. Isso com certeza os faria ver quantas coisas lindas existem. São loucos de perder algo assim. Loucos.

- Sou muito feliz por tê-las comigo.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Realidade'

Andando pela eternidade... Andando pela eternidade... Andando pela eternidade...

Essas três frágeis palavras ficavam vagueando por minha mente. Que coisa.

Será que nunca vão embora? As sombras ficavam me dizendo que quando eu menos esperar elas se vão e tudo o que eu terei é a lembrança vaga de algo que eu nunca tive.

Como eu poderia me lembrar do que eu não tenho?

- Hhahahahaha! Isso é impossível. Vocês estão enlouquecendo como eles!!!

Elas diziam que não. Não estavam. E que eu em breve descobriria por que diziam isso. Nunca me mentiam então só poderia ser verdade.

- Um acidente? Alguém morreu? É mesmo? Como foi acontecer? - Ouvi atentamente. - Atropelado... Que coisa. Não se pode controlar esses loucos. E ainda falam de mim! Todos loucos. Todos loucos. Matam uns aos outros e reclamam de quem não tem culpa. Paciência. Leva tempo.- A garota? O que tem ela? - Suas palavras sussurravam lindas como sempre. - Tolinha. Não, não acho que deveria ter avisado ela. Não seria justo. - Rodavam ao meu redor com suas cores brincando com o vento e as folhas. - É claro que não sei para onde estou andando! O que vocês acham? Que sou louco? Apenas os loucos planejam por onde andam. Eu, como uma pessoa sã, ando sem rumo e vejo até onde meus pés vão me levar.

O vento que as sombras coloridas criavam me roçou o rosto. Um leve perfume de rosas e morangos veio das sombras vermelhas. Das marrons saiu aquele cheiro gostoso de terra. E das amarelas o calorzinho do sol.

- Ai, ai... Vocês sabem como me animar não é? Tão gostoso. Não acredito que as pessoas não valorizam o trabalho que vocês tem em manter essa cidade e tantas outras com um cheirinho tão bom. Eles acham mesmo que aquele lixo de bugigangas aromáticas resolve alguma coisa?

Sombras azuis sussurraram um gostoso sim com o cheiro do mar.

- Hhahahahahahahaha! Loucos, todos loucos. É preciso ter paciência. Leva tempo. Leva tempo.

sábado, 10 de julho de 2010

Cantada

-Oi!
Uma voz? Quem seria? Olhei... ah, era só uma garota...
Ela estava vestindo um vestido tão pequeno que eu não sei se poderia chamá-lo assim. A face dela estava muito pintada. Ela não era muito diferente de todas as garotas dessa idade.

-Quer dançar?- Ela disse isso em um tom de quem não queria apenas dançar.
-Eu não danço. Com licença.

Levantei e comecei a andar. A garota provavelmente não esperava essa reação. Possivelmente, era nova nesse lugar, e ainda não sabia sobre mim. Logo, logo saberia.

Continuei andando sem rumo definido... Não tem exatamente um lugar para onde eu queira ir, ou onde eu queira estar. Talvez esse seja o meu destino: vaguear pela eternidade...

Quase como se lessem meus pensamentos, as sombras começaram a me apontar coisas boas a meu respeito.

- Não, eu não acho que eles liguem para esse tipo de coisa... Veja, é quase como se vivéssemos em universos diferentes... Eles estão lá, dançando sem nenhuma preocupação... Não isso não é ruim... Eu estou bem da forma que sou. Não preciso da compreensão deles... Eu tenho tudo o que preciso, e não preciso de nada que não tenho...

Colocação'

E eu estava sentado ali naquela mesa. As pessoas passavam difusas e rapidamente por mim. Todos me conheciam e sabiam quem eu era. Todos me evitavam.

A musica alta ressoava em minha cabeça impedindo-me de ouvir até mesmo meus vastos e altos pensamentos. Cores brilhavam por toda a parte. Não das lampadas e sim das sombras coloridas. Rosas, Verdes, Rochas e Amarelas. Todas as cores que puder imaginar. As sombras estavam de volta tentando chamar a minha atenção. Gritavam palavras coloridas e tão lindas para mim.

- Ah! Obrigada... Que meigo de sua parte. - Sussurrei para uma delas. Alguém parou em meu encalço me olhando com uma cara de burro que fugiu. - O que foi? Não está vendo que estão falando comigo?

Me acham louco. Ao menos pessoas comuns acham. Terapeutas. Psiquiatras. Psicologos. Nenhum deles me entende. Não conseguem entender meu 'problema' como dizem.

Não acho que tenho um problema. Apenas sou o que sou. Os unicos problematicos são aqueles que não me entendem. Todos os que me veem com aquele olhar, ora de pena ora de estranheza.

Loucos. Todos loucos. Tento entender mas sem conseguir. Claro que não. Não se pode entender um louco. É por isso que não gosto de falar com eles. Meu lindo cão é o unico com quem falo. O unico que me entende.

Loucos. Todos loucos. Paciencia. Leva tempo.